O romantismo de Camilo entre Trás-os-Montes e Lisboa

29 Junho | 2017 | Goodyear

Camilo Castelo Branco também tinha um amor de perdição pelo seu país; de Viseu a Lisboa, visitamos alguns dos pontos essenciais da sua obra.

As paisagens da obra de Camilo Castelo Branco são muito íntimas, criando um mundo único e especial através do ponto de vista das suas personagens. Mas a verdade é que o autor não oculta a sua origem e transformou alguns dos cenários do nosso país em personagens bem presentes na sua obra. Amor de Perdição, um dos seus romances mais conhecidos e estudados, é exemplo disso mesmo, com uma alternância dramática que nos leva até Viseu, Coimbra, Vila Real, Lisboa ou Lamego. Não tinha muito boa opinião da capital mas foi um excelso retratista da sua sociedade e da divisão do resto do país, dando-nos a conhecer um Portugal no séc. XIX vivo e credível que vamos de seguida visitar.

Apesar de ter nascido em Lisboa, na Rua da Rosa no Bairro Alto, depois da morte dos seus pais Camilo muda-se para Vila Real onde foi educado por uma tia e pela irmã mais velha no meio da paisagem transmontana. Esta fase da sua vida e a forma como várias vezes regressa à região, inspira-o, deixa marcas e torna-o também um elemento do digníssimo rol de autores do norte de Portugal.

Casa Mateus em Vila Real

A capital contra o resto do país

Em Lisboa, para além da sua casa de nascimento, restam-nos poucas recordações da sua vida e passagens pela capital. Camilo tinha uma visão dualista sobre a cidade e a província e, como intelectual da época que conhecia bem a ainda remota região de Trás-os-Montes, entendia a diferença entre estas duas faces tão diversas do país e deixa bem expresso esse seu retrato em obras como O Morgado de Fafe ou A Queda de Um Anjo. Mais do que locais concretos, é na caracterização dos seus ambientes que o autor nos faz regressar “àquele” Portugal.

Ainda em Lisboa, nas Escadinhas da Achada, Mouraria, o Retiro de São Cristóvão foi o local onde Ana Plácido encontrou refúgio para o escândalo a que estava associada na sociedade do Porto. Camilo e Ana tiveram uma relação adúltera (ela era casada com Manuel Pinheiro Alves) que, ilegal na altura, haveria de levar o escritor à prisão quatro anos mais tarde e a sua amante a um convento. A sua “obra maior” haveria de ser escrita no cárcere, na Cadeia da Relação do Porto, em apenas 15 dias, e tem vários pormenores que podemos relacionar diretamente com esta fase da sua vida.

O fã de Camilo que venha até aqui prestar a sua homenagem, terá que depois subir pela Costa do Castelo, até ao miradouro do Castelo de São Jorge, para deleitar a vista com a excelente paisagem sobre Lisboa. Ana Plácido não terá tido muitas oportunidades de subir até aqui, mas o casario que encontramos pelo caminho e a visão da velha Lisboa são ilustrações aproximadas do ambiente da época.

Casa de Camilo

O Amor de Perdição de Camilo

Terá sido o primeiro escritor de língua portuguesa a viver profissionalmente das suas obras, um fenómeno raro para a época, o que o levou a ser também um dos mais profícuos autores da nossa literatura, com cerca de 260 obras publicadas. Além desenvolver a sua mestria no estilo romântico, ao longo de tantas páginas Camilo acabou por deixar-nos também o seu retrato do Portugal da época, das suas paisagens e do seu povo.

A sua obra mais conhecida, estudada na escola e considerada unanimemente um dos marcos da escrita em português, é Amor de Perdição. Elemento essencial para o romantismo nacional, este romance é a versão possível de uma trama de Shakespeare se aplicada ao nosso país e às nossas gentes. Temos uma espécie de Romeu e Julieta, Simão e Teresa, afastados pelos ódios das suas respetivas famílias e pelo tipo de mentalidade da época, assim como um retrato de uma sociedade ainda profundamente rural.

Viseu e Lisboa, duas faces de uma moeda

A história de Amor de Perdição arranca em Viseu, cidade fundamental para se conhecer a região centro do país, onde os dois jovens reinterpretam a famosa peça de Shakspeare nas suas próprias janelas, para desagrado de seus pais. Mas há outros paralelismos: quando Teresa é internada no convento de Monchique, no Porto, o leitor não resiste a pensar no destino semelhante que aconteceu também, na vida real, a Ana Plácido.

Noutra altura da história, Simão é enviado para estudar em Coimbra e assim “regenerar-se” aos olhos da sociedade, talvez um pouco como o jovem Camilo foi enviado para estudar com um tio depois de um casamento precoce aos 16 anos. Em ambos os casos, a tentativa de correção não terá tido grande eficácia pois voltam os dois a deixar-se ir com os impulsos do coração: Simão pela filha dos inimigos da sua família, e Camilo por diversas mulheres, incluindo até uma freira.

Regressando à história do seu primeiro casamento, com a jovem Joaquina de apenas 15 anos, a casa onde viveram, em Friúme, foi transformada num centro de interpretação da sua vida dando-nos a conhecer a sua passagem por Ribeira de Pena e a sua primeira filha, Rosa.

Repouso final em Famalicão

O caso de Simão e Teresa tem o desfecho trágico que todos lemos por altura do liceu mas Ana Plácido e Camilo ainda tiveram tempo para uma vida em comum. Casam-se em 1888 mas os seus últimos anos não são pacíficos: sífilis, cegueira, a morte de um filho e o desalento em relação a outros dois, tornam-se fardos insuportáveis e Camilo suicida-se em 1890.

Esses últimos anos foram passados na casa de São Miguel de Seide, em Famalicão, edifício hoje transformado por Siza Vieira numa casa museu dedicada à vida e obra de Camilo. Parte dos mais de 5.000 volumes que colecionou ao longo de 40 anos e se viu obrigado a vender por dificuldades financeiras, foi recuperado e está disponível agora aqui.

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