A magia do cinema: quando Portugal não foi Portugal

21 Abril | 2016 | Goodyear

Nem sempre reconhecemos locais conhecidos em filmes que parecem mostrar terras remotas. Portugal estava mais perto do que achávamos

A magia do cinema está na sua capacidade para criar realidades distintas. De facto, e embora muitos confundam os conceitos, não são a mesma coisa espaço narrativo e espaço de filmagem. Se virmos um filme talvez achemos que o pano de fundo é realmente o local em que foram filmadas as cenas, mas na maior parte das ocasiões não é assim que sucede. Como numa representação teatral em que o ambiente é uma ilusão, assim acontece às vezes com os filmes: escutamos falar espanhol e ouvimos como nomeiam Lima, mas esfregamos os olhos incrédulos, isso que vemos não é Lima, mas o Porto! Mas que grande espertalhão o John Malkovich!

Na realidade o famoso ator e diretor escolheu a cidade portuguesa para filmar o seu “The Dancer Upstairs” sem se importar com o facto de a ação estar situada na América Latina num enredo de polícia militar e guerrilheiros envolto em surpresas inesperadas e violência crua. Nesta ocasião a escolha é devida a que Malkovich não achou “interessante” a Lima original, como ele mesmo assinalou na sua visita ao Porto, cidade que qualificou de “incrivelmente bonita, romântica e triste”, as características com as quais ele queria dotar o seu filme. No ecrã vemos as ruas da cidade transmutadas nas da capital peruana, graças à beleza novecentista do Porto. Já noutras ocasiões comentamos quais são os locais a não perder numa visita à cidade, mas sempre é bom momento para os recordar: a Livraria Lello, onde nasceu a ideia de Harry Potter, a Estação de São Bento com as suas impressionantes paredes de azulejo ou o caminho entre a Avenida dos Aliados e a Rua dos Clérigos. Para experimentar esse charme colonial do filme, nada melhor do que o lindo café Majestic, fundado em 1921 e consagrado como um dos dez cafés mais belos do mundo. Se preferir um canto um pouco mais animado da cidade, o Mercado do Bolhão na Rua Formosa, de 1914, é o local adequado para mergulhar na populosa vida portuense.

Paisagem Portugal - Quilometrosquecontam

Outro filme gravado no Porto mas com ação narrativa bem distante é “O xangô de Baker Street”, obra brasileira onde Joaquim de Almeida veste o boné do Sherlock Holmes num enredo de matizes políticos que transforma a zona antiga do Porto na hoje desaparecida zona antiga do Rio de Janeiro. As ruelas e os becos da cidade molduram uma história de detetives que converte o nosso país num excecional palco para o noire.

O estranho Chile alentejano

Em 1993 decorreu pelas terras de Vila Nova de Mil Fontes a filmagem de “A Casa dos Espíritos”, filme parcialmente fracassado que tentou levar ao ecrã as desventuras, acasos e azares da família Trueba durante vários anos no sopé dos Andes. Artistas de primeiro plano passaram pelo Alentejo, como Jeremy Irons, Antonio Banderas ou Glenn Close, tendo sido uma das últimas superproduções de amplo elenco de Hollywood. Além de cenas filmadas em Lisboa, a maior parte do filme desenvolve-se no Monte das Três Marias, em Vila Nova de Milfontes. Hoje esta povoação, mais de 23 anos depois, é uma encantadora vila alentejana aconchegada do Parque Nacional do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, uma sucessão de falésias abruptas, praias selvagens e ilhotas que envolvem fauna e flora ímpares.  Também em Vila Nova podemos deleitar-nos com as largas paisagens alentejanas que o filme disfarçava de horizonte argentino, presididas pelo incrível Forte de São Clemente, fortaleza meridional do reino contra a pirataria e enfeite inigualável da vila de Odemira.

E a “falsa Espanha” a 40 km de Lisboa

Belle Époque representou Espanha nos Oscar de 1992 tendo conquistado o prémio  ao Melhor Filme em Língua-Estrangeira. O diretor Fernando Trueba justificou a filmagem no nosso país pela melhor conservação da paisagem portuguesa face à espanhola e pelos custos de produção mais baixos.

Quase todo o filme, cujo enredo decorre integramente na Espanha, foi rodado a 40 km de Lisboa, na Arruda dos Vinhos, bem como na Azambuja, em Sobral de Monte Agraço e em Estremoz. A maioria das cenas aldeãs foram filmadas na Quinta do Bulhaco, a meio caminho de Arruda e Alverca. Este palácio acolheu uma filmagem com muita presença de profissionais portugueses em trabalhos de produção. Convertido hoje em hípica que oferece longos passeios pela região, o edifício situa as suas origens no século XII e foi completamente transformada ao longo do XVIII pelos condes da Cunha. Uma importante atividade vinícola foi desenvolvida a partir do século XIX e é, desde 1997, património de interesse público e um dos atrativos turísticos da região.

Good Year Kilometros que cuentan