Tejo: rio património da humanidade

10 Junho | 2016 | Goodyear

Ideias para um fim de semana entre Portugal e Espanha, com passagem por Malpica do Tejo, Rosmaninhal, Alcântara e Segura

Fomos passar um fim de semana ao Tejo Internacional, a saltar entre os dois lados da fronteira, uma região agreste onde os campos floridos e bosques de sobreiros definem a paisagem e juntam Homem e natureza de forma harmoniosa desde, pelo menos, a ocupação romana. Entre Malpica do Tejo, Rosmaninhal, Segura e Alcántara, fomos descobrir um Portugal (e também um pouco de Espanha) belo e vivo, um local ideal para um retiro de fim de semana.

O Tejo não conhece fronteiras

A sul de Castelo Branco a natureza não conhece fronteiras e decidiu recompensar Portugal e Espanha com igual riqueza. No ponto onde o Tejo entra no nosso país, o rio apresenta-se da forma mais engalanada e luxuriante de todo o seu percurso e, desconhecido para grande parte dos portugueses, criou um dos mais vivos ecossistemas da Península.

Chegámos já de noite à Herdade da Poupa, no Rosmaninhal,  o local escolhido para descansar o corpo depois do longo passeio que tínhamos programado para o dia seguinte. Aqui perto, e disponível também através de passeios organizados pelos proprietários da herdade, iremos encontrar uma vida selvagem exuberante que nos permitirá ver e fotografar, em plena liberdade, veados, javalis, perdizes, coelhos, lebres, raposas, abutres-do-Egipto, abutres-negros, cegonhas-pretas, peneireiros-cinzentos, abelharucos, grifos, cortiçóis-de-barriga-branca ou  poupas. Para os mais novos este é um local ideal para usufruir de um contacto, ao vivo, com todos estes animais.

A Sul, o rio

Acordámos cedo e regozijámos com a magnífica vista a sul, na direção do Tejo, e um pequeno almoço com direito a pão artesanal e Queijo de Castelo Branco, momento em que nos convencemos que, a começar assim, o nosso fim de semana iria ser grandioso. O primeiro destino do mapa seria Malpica do Tejo, local onde iríamos finalmente encontrar o rio.

Conta a lenda que a localização de Malpica foi escolhida de forma insólita. Sem chegar a acordo sobre onde erigir a sua aldeia, o povo decidiu-se a soltar uma manada de vacas e construir onde quer que elas parassem. Diz-se que as vacas passaram a noite no local que é hoje o largo da aldeia, mas a população não estava contente porque era um local exposto a invasores. Apesar de resignados à sorte que lhes coube, os aldeões não deixavam de repetir, vezes sem conta, “Mal fica, mal fica”, expressão que gerações depois haveria de ficar registada na forma simplificada de Malpica.

Basta uma visita de passagem pela região para duvidarmos da lenda. Apesar de afastada e da paisagem agreste que a rodeia, a proximidade do rio e a riqueza destas terras são motivos suficientes para convencer qualquer povo a aqui estabelecer-se. Hoje em dia, Malpica do Tejo vive a um ritmo lento, onde ainda circulam carroças puxadas por burros e carros de bois, com a agricultura como ocupação principal. As casas a branco e xisto e os arruamentos cuidadosamente tratados dão-lhe uma aura pacata a que os sons do campo emprestam a banda sonora perfeita.

Entre gatos bravos e abutres

Seguindo na direção do Ponsul, via Pontiscais, fomos à procura do ponto onde desagua no Tejo e ter assim a primeira visão, ao perto, do Rio. O vale aqui formado é famoso pela sua colónia de Cegonhas-Pretas, que infelizmente não chegámos a encontrar, mas, depois de algumas aventuras por estradas secundárias, conseguimos ter o nosso primeiro vislumbre, “à séria”, do Tejo.

De regresso pela Ponte de Pontiscais, arriscámos alguns quilómetros por estradas municipais com destino a Monforte da Beira, passando pelos terrenos de montado que conferem um tom muito característico à região e são campo de caça para gatos bravos e aves de rapina. Se passar aqui no fim de Junho não deixe de participar nas Festas de São João, altura em que o santo é colocado nas janelas de toda a aldeia.

Chegamos à ponte sobre a Ribeira do Aravil pela estrada que vai dar a Cegonhas e saímos do carro para uma curta caminhada na sua margem. Depois de algum esforço e algumas perguntas a quem passava, lá conseguimos arranjar forma de descer o vale e assim desfrutar das galerias de salgueiros que ladeiam a ribeira. Não conseguimos ver as lontras que aqui têm lar, mas cruzámo-nos com cágados e uma grande quantidade de peixe que, disse-nos um dos habitantes locais, deveriam ser Barbos.

Mel e rosmaninho

Até o Rosmaninhal, o nome não engana, vai ser o rosmaninho rasteiro que nasce selvagem entre o xisto a encher a vista e o olfato. As espigas violeta exalam um perfume inconfundível até ao final de julho e enfeitiçam humanos e abelhas, magia que resulta no óptimo mel que é aqui produzido. Já na vila que foi a primeira a receber a “visita” do general Junot na invasão francesa de 1807, a primeira pergunta é “onde estão as pessoas?”

Como muitas outras localidades da raia, gente é coisa que não abunda aqui e são poucos os que regressam. Foi assim quando muitos habitantes locais se mudaram para Espanha para ajudar na reconstrução depois da guerra civil, e assim continuou aquando das vagas de migração dos anos 60 para outros países europeus. Vale a visita à igreja matriz, ao cruzeiro de granito da capela de São Roque com a imagem de Cristo crucificado, e à capela do Espírito Santo. Aqui e ali, saltam à vista os sinais da presença dos Templários e da Ordem de Cristo.

De volta à estrada, fazemos um pequeno desvio até à Zebreira, lugar que ainda conservava a tradição da exploração comunitária até aos anos 70, e que mantém o granito como elemento essencial da arquitetura das suas casas. O pequeno largo guarda o pelourinho onde era admoestado quem fosse apanhado a roubar: conta-se que os objetos do furto eram aqui colocados durante quatro domingos para que todos ficassem a conhecer o nome do ladrão.

Do topo de um monte a cujos pés corre o rio Egres, Segura vigia a ponte romana que nos une a Espanha e é o último bastião antes de entrarmos em terras de “nuestros hermanos”. Os contrabandistas já não são presença na zona, mas está na altura de os imitarmos e dar o “salto para o lado de lá”

Ponte romana na Espanha

O Tejo espanhol

Fazendo parte da província de Cáceres, o triângulo desenhado por Alcántara, Santiago e Herrera parece menos agreste e solitário do que o lado português. Mora aqui mais gente, as estradas são  menos remotas, mas a raia não deixa de ser a raia e a paisagem nunca pediu autorização para ultrapassar as linhas inventadas pelo Homem. Em Alcántara, a Ponte Nova que nos abre as portas da vila parece querer competir (e ganha em grandiosidade) com a ponte de Segura. Aproveitámos para um almoço e uma visita a pé, mas tivemos que deixar a barragem para outra oportunidade. Dizem os guias, e os habitantes locais confirmaram-nos, que é óptimo local para desportos aquáticos. Ficou na lista.

Com a Sierra de San Pedro sempre do nosso lado esquerdo, apontámos o carro para Santiago de Alcántara e voltámos a ter a companhia de carros puxados por burros e um povo que pouco se diferencia daquele que conhecemos no margem norte. Perto de Carbajo, a vegetação adensa-se e  passamos por mato cerrado, resultado ainda da presença próxima do Tejo, paisagem que é substituída por muitos e férteis campos de cultivo até Santiago.

Para a última etapa da viagem guardámos o verdadeiro contacto com o Rio: em Cedillo aproveitámos o “barco del Tajo” e pusemos, finalmente, os pés na água. Na altura da nossa visita não estavam a ser efetuados passeios regulares na barragem, mas há operadores que aceitam marcações (contacte-os previamente para averiguar datas). O nosso guia levou-nos até ao cais de Lentiscais, já no lado português no Ponsul, mas há também passeios até Malpica, via Herrera. É um dia inteiro passado entre as aves e as margens do rio, numa paisagem poderosa e memorável.

O Tejo pode ser aqui a linha física que separa os dois países ibéricos mas é, afinal, motivo de união entre Portugal e Espanha. No caso do Parque do Tejo Internacional é um desafio, um modelo de esforço comum que junta dois povos com uma riqueza natural que bem merece o destaque internacional que a UNESCO lhe prestou ao torná-la Reserva da Biosfera.

Good Year Kilometros que cuentan