Recentemente celebramos o aniversário de um gigante das letras portuguesas, um daqueles que ainda temos a sorte de ter entre nós: falamos, evidentemente, de António Lobo Antunes. Romancista e, noutra época, médico, Lobo Antunes viveu as guerras de ultramar e aquela experiência marcou boa parte da sua criação literária. Multi-premiado, o escritor lisboeta tem recebido galardões tão importantes como o Grande Prémio de Romance e Novela APE/DGLB, o Prémio D. Dinis ou o Prémio Jerusalém. É apenas um breve resumo de uma carreira literárias estendida por mais de quatro décadas que consagra o seu autor como um dos clássicos do nosso tempo.

Para analisarmos a sua evolução literária, resulta imprescindível olhar para o chamado “ciclo de Benfica”, três romances (Tratado das paixões da alma, A ordem natural das coisas e A morte de Carlos Gardel, levada ao cinema pela diretora sueca Solveig Nordlund) que supõem um regresso, na maturidade, do autor aos territórios da juventude, concretamente ao lisboeta bairro de Benfica da sua infância, onde contemplamos locais borrifados de uma certa tristura pela perda e as turbulências da vida que veio depois. Um ermo que envolve às personagens e transite nítidas imagens de solidão.

Com um propósito bem mais alegre, e como uma forma de honrarmos a obra e a trajetória de António Lobo Antunes, queremos aproximar-nos fisicamente daqueles locais que marcaram esta trilogia dele, desta Benfica que ainda existe muito próxima de nós, para lá das páginas de um livro.

A expansão urbanística de Lisboa afetou negativamente a alguns dos monumentos e vestígios patrimoniais de que doutro modo poderíamos desfrutar hoje em Benfica, mas resistiram muitos elementos que dão fama à freguesia na atualidade, como as numerosas quintas. Mesmo que pareça incrível, hoje podemos encontrar unidades de produção agrícola no coração da cidade de Lisboa, como a Quinta da Granja, reconvertida num parque urbano de 11 hectares que funciona como testemunho deste tipo de lugares. Na atualidade encontramos aqui um espaço tranquilo e muito agradável para desfrutar de um café no seu quiosque, onde colaboraremos com um projeto de solidariedade social como o da reabilitação da Casa Grande, espaço onde se formarão e treinarão em competências sociais pessoas portadoras do Síndrome de Asperger. Na Quinta poderá conhecer aspetos do modo de vida tradicional de uma unidade rural: a maquinaria e utensílios empregados, a coleção de cangas ou o lagar. Não deixe de conhecer o Parque Hortícola de hortas urbanas.

Outro local que vale a pena conhecer é o Parque Silva Porto ou Mata de Benfica, no bairro de Santa Cruz, com cinco hectares de área e uma variada oferta de lazer para o visitante: parque infantil, percurso de arborismo, um lago… Para os apaixonados pela flora, o parque conta com 22 espécies distintas de arbustos e árvores como cedros, ciprestes, carvalhos, pinheiros ou eucaliptos, e quanto à flora é um local perfeito para observar aves como pintassilgos e chamarizes, bem como rolas. Infrequentes noutras áreas urbanas, aqui poderá encontrar também mesmo esquilos.

História em Benfica

As Portas de Benfica são daqueles monumentos que também, inexplicavelmente, sobreviveram tanto ao tempo quanto à urbanização da área. Até o século XIX, fizeram parte do complexo de portas de Lisboa, que incluía 26, como posto da guarda fiscal que marcava do ponto de vista fiscal o final da cidade. Com a desaparição desta figura em 1892 deixaram de ser utilizadas, e foi há apenas 20 anos que foram salvadas da ruína com as obras de recuperação. Hoje em dia o edifício sul acolhe a Orquestra Ligeira de Benfica e o norte o Centro de Informação “Em cada rosto igualdade”, com um papel muito importante no acolhimento de população migrante em Portugal.

O nosso percurso por esta freguesia literária não pode esquecer o aqueduto das Águas Livres que também por cá passa, uma das obras mais emblemáticas de Portugal que foi construida sob comando de D. João V e sobreviveu até mesmo o terramoto de 1755. No complexo sistema de distribuição das águas da cidade, complementava-se naquela altura com os chafarizes de Benfica e da Buraca.

E você, que locais incluiria neste percurso pela “pequena pátria” do mestre António Lobo Antunes?