À procura de Almada Negreiros e da Lisboa Modernista

4 Maio | 2017 | Goodyear

Lisboa recebe até 5 de junho a mais completa retrospectiva de Almada Negreiros das últimas décadas e vamos calcorrear a cidade em busca de obras do mestre.

Um artista total, que não reconhecia fronteiras entre a expressão plástica e a escrita, Almada Negreiros marcou muita da criação portuguesa do século XX e a forma como olhamos para nós próprios, enquanto povo. A mais completa retrospetiva da sua obra em 33 anos está agora patente na Gulbenkian e, além de apresentar o seu génio a novas gerações, funciona também como um excelente pretexto para um passeio pelas obras de Almada Negreiros que se encontram pela capital. Aceite o nosso convite e venha conhecer uma “Lisboa Modernista”.

Autodidata, Almada Negreiros encarou a sua pulsão de artista de forma sempre original e inovadora, o que o colocou no coração da vanguarda intelectual do princípio do século XX. A exposição “José de Almada Negreiros: uma maneira de ser moderno”, patente na Fundação Gulbenkian até 5 de Junho, recorda o seu trabalho gráfico, ilustração e contacto com o cinema, através de 9 núcleos que apresentam outros tantos diferentes pontos de vista sobre o seu trabalho. Contudo, com uma figura tão complexa e rica, um mergulho pela sua obra dificilmente se acorrenta a apenas um espaço, por isso calce uns ténis confortáveis e descubra Almada um pouco por toda a cidade.

1. Fundação Gulbenkian

É no Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, na Av. de Berna, dividida por dois pisos e nove núcleos, que encontramos a exposição com mais de 400 obras, muitas inéditas, em variadíssimos suportes. Almada era, acima de tudo, um artista visual e encontramos aqui exemplos dos seus trabalhos abstratos, poemas gráficos, quadros e pequenos apontamentos, que nos ajudam a entender de uma forma mais completa a sua personalidade.

2. Igreja da Nossa Senhora de Fátima

Não precisamos de nos afastar muito da Fundação Gulbenkian para encontramos a primeira paragem neste mini-roteiro de Almada Negreiros em Lisboa. A Igreja de Nossa Senhora de Fátima, saída da pena de Pardal Monteiro, um dos mais importantes arquitetos da primeira metade do séc. XX, é um edifício marcante na paisagem urbana mas o seu interior é igualmente impressionante. Os fabulosos vitrais, os mosaicos, os nichos das imagens, o fresco do rosário e da abóbada na entrada, são todos da autoria de Almada e contribuem também para entendermos a relação do vanguardista com o divino.

3. Alfaitaria Cunha e Bristol Club

Apesar de ser possível ver vários exemplos da obra de Almada ainda no espaço público em Lisboa, há alguns que já só existem nos registos da História. A Alfaiataria Cunha, por exemplo, teve a sorte de contar com diversas pinturas decorativas do artista. No edifício que seria depois a sede do Sport Lisboa e Benfica da rua das Portas de Santo Antão, o Club Bristol era um concorrido ponto da boémia lisboeta na década de 10. Felizmente, se ambos os casos já não existem, sobreviveram pelo menos os trabalhos de Almada que podemos ver no CAM.

4. Gare Marítima de Alcântara e Rocha Conde de Óbidos

Na ausência de um mercado de arte como aquele que conhecemos agora, Almada e os seus contemporâneos eram muito dependentes de encomendas de arte “popular” como as do Bristol ou da Alfaitaria Cunha, mas também de projetos de maior envergadura como a Gare Marítima de Alcântara e a Rocha Conde de Óbidos. Pintados nos anos 40, os murais destes dois edifícios não muito distantes um do outro na zona ribeirinha de Alcântara tiveram reação substancialmente diferente: o de Alcântara, com cenas da vida em Lisboa, foi imediatamente bem recebido, enquanto o da Rocha Conde de Óbidos trouxe polémica ao retratar, entre outras coisas, a vida do emigrante português, tema incómodo para o regime de então.

5. Brasileira, Chiado

Subimos o Chiado e entramos na Brasileira apressadamente para beber um café ao balcão. Se, tal como hoje, esse poderia ser o ritual de qualquer transeunte que chegasse ao topo da Rua Garret, quando o centenário café se remodelou em 1925 transformou-se também na primeira “galeria” modernista da capital. As paredes da casa foram engalanadas com 11 obras de Stuart Carvalhais, Eduardo Viana e Almada Negreiros, entre outros. São da autoria deste último, o primeiro e o terceiros dos painéis, “Duas Banhistas” e “Auto-retrato num grupo”, respetivamente. Agora que já entendeu a importância deste local, aproveite a primeira mesa que vagar e faça o merecido tributo que ele merece: como Fernando Pessoa, Santa Rita Pintor, Abel Manta ou o próprio Almada fizeram, deixe-se levar pela conversa, pelos velhos rituais e vai entender como ainda temos tanto em comum com aquela geração já centenária.

Good Year Kilometros que cuentan