De El Bierzo para a Ribeira Sacra

1 Setembro | 2015 | Mariano Fisac

Em rota. Começamos o trilho desde El Bierzo, terra de vinhos com grande futuro, ata A Ribeira Sacra

Dizem que a felicidade não está na meta, mas no caminho. Eu permito-me acrescentar que a alegria do caminho está mais próxima das estradas secundárias e afastada daquelas vias principais pelas que todos transitam. Esperamos acompanhar o viajante durante algumas jornadas, e falar no prazer do caminho em pequenas tavernas e aromas esquecidos num percurso pela Espanha dos vinhos pequenos e artesãos que cheiram à paisagem da qual procedem e apaixonam o visitante. Porque o vinho é paisagem, recordação e caminho.

Os nossos pneus irão gastar-se mais, minoraremos a marcha, pararemos com frequência, mas com um sorriso certo em cada descanso, em cada sorvo e em cada bocejo ao abandonar o carro no pôr do sol. Começamos o trilho desde El Bierzo, terra de vinhos com grande futuro, paragem de horta, de vaca, de monte vetusto que separa a Galiza da Castilla la Vieja.

Em Albares de La Ribera encontra-se o projecto que conduz Germán Robles Blanco, que faz vinho com os nomes de Altos de San Esteban e Casa Aurora.

Altos de San Esteban é o sonho de três parceiros em volta de vinhedos de monte, viticultura não intervencionista e elaboração artesanal, tanto o seu simples e divertido vinho La Perra Gorda, um tinto de uva mencía fresco, de fruta e trago longo, para aplacar a sede do caminho. Altos de San Esteban, Viñas de Monte, procede das cepas altas, também mencía, mas com parte de cabernet sauvignon e merlot. É criado longo tempo em barricas francesas e mostra carácter, complexidade e capacidade de envelhecimento de um bom Bordéus. La Mendañona é um vinho caprichoso, saboroso e com um grande volume que apenas é elaborado quando a quinta homónima dá uma excelente produção.

Trepar pelas encostas de argila sobre as que sobrevivem as cepas de San Estebán irá abrir o apetite que saciaremos em Mesón Ramos (Ribera de Folgoso), um delicioso restaurante à moda antiga. Se for na terça-feira, se calhar terão almôndegas, e são iguaizinhas com as da minha avó. Se no café (que é imprescindível) solicitarem cubos de gelo, também aqueles serão feitos de café.

Rota enoturismo Bierzo Casa Aurora - Quilometrosquecontam

A tarde com Germán continua em Casa Aurora, o projecto mais pessoal deste vinheiro: vinho de garagem e parcela. Vinhedos inacessíveis para qualquer maquinária mais complexa do que o burro (o dele é chamado de “Pisotón”) e vinhos intensos, frutados, frescos e fáceis de beber. Cada parte do terreno projecta uma grande pessoalidade numa pequena tiragem de garrafas, o sonho de qualquer apaixonado pelo vinho!, desde o Poula, que reúne o produto das vinhas perdidas da vila, até a La Galapana, Valdecontina (o meu favorito!), La Vendañona e Valle del Río: vinhos tintos pisados a pé, criados em barrica de carvalho de diferentes tamanhos e em talhas de barro, simplesmente deliciosos.

A adega é uma morada de pedra restaurada para a ocasião, onde o rés-do-chão é reservado para a elaboração e criação, e no andar acima dispôs um txoko em que cozinhar e comer com Germán enquanto desfrutam os vinhos, fazendo a visita inesquecível.

Continuamos rumo à Galiza pela antiga estrada nacional 120, lá após o túnel arraiano encontraremos a incrível visão da ponte e o abismo, entrando em Valdeorras, berço do branco de godello. Se nos pegar a noite, em Pacio do Sil teremos hospedagem agradável e pitoresco.

Pela mesma entrada iremos afastar-nos para Larouco, formosa vila em altura em que Nacho González elabora La Perdida, uma pequena produção de vinhos artesãos e irreverentes, fruto de uma agricultura ecológica, sem aditivos e com os meios essenciais. Os vinhos brancos de godello e doña blanca dele são quase laranjas, cheiram a funcho, a mel e a vida. Os tintos de garnacha tintorera e sumoll são deliciosamente carnosos e frescos, fazem com que a ascensão mereça a pena.

Monforte de Lemos e Ferreira de Pantón

Após o descanso continuamos a rota até a Monforte de Lemos, um muito formoso percurso que nos levará muito tempo paralelos com o rio Sil. Se chegarmos a tempo, vale a pena percorrer a judiaria de Monforte, visitar o Mosteiro (actual Parador de Turismo), e beber um vinho na taverna do Conselho Regulador da Denominação de Origem Ribeira Sacra, mas não devemos demorar-nos ou perderemos o fabuloso percurso em barco, pelos vertiginosos canhões do Rio Sil, que Adega Algueira, a poucos quilómetros, oferece aos clientes que visitam a pequena adega.

Embora o circuito seja emocionante, o melhor irá chegar a seguir, quando subirmos para experimentar os excelentes vinhos, que pela sua grande qualidade e apesar da sua pequena produção, colocaram no mundo aos pés da Ribeira Sacra. Destacam-se os vinhos brancos Cortezada (godello, albariño e treixadura) e Escalada (100% godello), e nomeadamente a sua ampla gama de tintos como o mencía com crianção em barrica (Carravel) e a de quinta de ardósia (sempre mais gulosa e expressivo), até aos distintos monovarietais de brancelhão e merenzão, subtis, frescos e precisos nos matizes de cada casta, sem esquecermos o delicioso Fincas, um profundo coupage de uvas caíño e sousón.

A adega dispõe, aliás, de um excelente restaurante que, entre outras coisas, na época de outono e inverno serve um delicioso cozido com castanhas, maridagem de excepção para estes tintos atlânticos, que refrescam com o seu carácter vibrante, convidando a mais um bocado.

Iremos descansar num bucólico alojamento chamado Canto da terra, perto de Ferreira de Pantón e distante meia hora da Adega Algueira. Durante o caminho percorreremos o campo entre velhos e lindos bosques de carvalho e castanheiros que em outono adquirem uma cor quase mágica. Lá desfrutaremos de quartos amplos e acolhedores, esquisitamente adornados, de um pequeno-almoço de excepção, um tratamento familiar e tudo a preços realmente ajustados. O coquetel perfeito para reparar força e continuarmos a viagem.

Good Year Kilometros que cuentan