Depois do jejum, o borrego e o cabrito

17 Março | 2016 | Goodyear

A mesa do Domingo de Páscoa. Cabrito, borrego e outras tradições da época

Se a tradição religiosa da Páscoa coloca forte ênfase no jejum, o Alentejo encarrega-se de celebrar o fim da Quaresma com uma das pérolas maiores da gastronomia nacional. O hábito varia de acordo com a região, mas no Domingo de Páscoa são o cabrito e o borrego os reis da mesa alentejana, enquanto a Norte come-se a chanfana ou a bola de carne. Mas, afinal de onde veio este costume e onde é que se come o melhor borrego em Portugal?

 

Tradições também na cozinha

Depois do austero período de reflexão da Quaresma, durante o qual evitam comer carne à sexta-feira, o Domingo de Páscoa é o momento em que católicos celebram a ressureição de Cristo e se permitem a comer carne novamente. Sendo que o cordeiro está simbolicamente ligado ao sacrifício de Jesus, tornou-se também prato tradicional numa série de regiões e, já há muito, aparece de norte a sul de Portugal confeccionado com algumas variações locais. Por isso, se ainda é verdade que a tradição do cordeiro tem o seu expoente máximo no Alentejo, também encontramos mais quem o saiba cozinhar em todo o país.

Apesar de bem distintos, o cabrito e o borrego são usados nas mesmas receitas desde o tempo dos romanos. Em total respeito pela verdade é o borrego que, sendo um cordeiro mais velho, seria o mais adequado para cumprir a tradição. O cabrito tem uma carne mais escura e rija, com menos gordura, mas desde que bem confeccionado, não fica a dever nada para o “concorrente”. As batatinhas assadas, essas, vão bem com os dois.

 

Directos à origem…

Então, naturalmente, comecemos pelo Alentejo nesta busca pelo melhor cabrito e borrego português, em Marvão, localidade que irá receber a XIª Quinzena Gastronómica do Cabrito e do Borrego a partir da primeira semana de Abril. Neste município, o Cabrito e o Borrego assumem um papel primordial na cozinha típica da época e é com base na tradição que os restaurantes aderentes irão apresentar os seus menus. Prometem-nos costeletas de borrego com molho de hortelã, cabrito de cachafrito, chanfana de cabrito, perna de borrego leital com castanhas e cebolinhas, ensopado de borrego na caçarola, borrego assado no forno, ou as tradicionais sopas de sarapatel. É uma oferta completa para tirar todas as dúvidas a qualquer gastrónomo.

Se pretende cumprir a tradição já esta semana, e insiste em experimentar o borrego alentejano, dificilmente encontrará melhor do que o Fialho. Já são setenta anos a prestigiar a cozinha de Évora, tempo suficiente para aprimorar as mais perfeitas empadas que já nos deram a provar. A saladinha de polvo e as queijadas são o alfa e o ómega desta refeição, mas pelo meio fica o melhor ensopado de borrego que aterrou deste lado do paraíso. Preços acima da média, mas a qualidade justifica-os.

Cabrito - Quilometrosporcontar

Acima do Tejo

Rumando a norte, mudam os pormenores e a apresentação, mas mantém-se a certeza de continuarmos a encontrar grandes mestres da confecção do cabrito e do borrego. Na Guarda, o Robalo tem a magia da comida serrana e alguns prémios na lapela: é considerado um dos melhores cabritos na técnica “panela ao lume”, na qual se cozinha a carne lentamente em fogo a lenha. Para além deste prato, as especialidades da casa são os grelhados que, em conjunto com os enchidos, hortaliças e queijos, muito ganham com a experiência de quem os produz e cozinha. À sobremesa, as papas de milho foram uma surpresa que recomendamos.

E foi também através da recomendação de um “especialista” que jurava a pés juntos que o melhor cabrito de Portugal se come em Amarante que acabámos por visitar a Casa Coelho. A ignorância era toda nossa e, depois de apenas uma visita, passámos a fazer parte do grupo de fiéis. Na cozinha há quem perceba da arte do cabrito e o forno a lenha aqui construído teve a benção dos deuses. O repasto fica completo na companhia do vinho verde da casa.

Um pouco mais perto do litoral, em Vila Nova de Famalicão, a Casa Pêga vai variando na companhia que oferece ao cabrito: caldeirada, feijoada de tripas, arroz ou as singelas batatas, tudo formas diferentes de apresentar o clássico. Não tivemos oportunidade de experimentar todas estas variantes, mas o arroz de cabrito tem o nosso selo de aprovação. Sem nos alongarmos muito para além do “tema pascal” deste artigo, podemos avançar que se optar pelos filetes de pescada ou pelos rojões não terá nenhuma desilusão.

 

À sombra da Serra

Desde que “somos gente” que uma ida à Adega do Saraiva é um momento solene de que nunca nos cansamos. Este restaurante está em Nafarros há cerca de 50 anos e já inspira os gastrónomos da zona há duas gerações.  Aqui assa-se o cabrito com a mesmo arte e atenção ao pormenor que o pão que nos recebe mal nos sentamos. E isso é dizer muito… há poucas coisas tão boas como este pão, capaz de derreter o coração de qualquer manteiga ou abraçar com prazer qualquer pedaço de enchido. E o cabrito?, perguntam vocês. No Saraiva, depois de ir ao forno, é servido com batatas fritas e arroz com ervilhas. Se estas lhe parecem um par de intrusões desnecessárias, fique com a nossa nota: funciona e não vai sentir falta nenhuma da batata assada. Se há coisa que estas gentes nascidas na sombra da Serra de Sintra aprenderam é a lidar com o forno e este cabrito é a prova disso…

A nossa última recomendação fica do lado oposto da Serra e será um convite para uma refeição realmente especial, ao mesmo tempo que é um exemplo de uma outra abordagem possível ao desafio de cozinhar borrego. A Fortaleza do Guincho é um famosíssimo hotel de 5 estrelas, instalado dentro de uma fortaleza seicentista e localizado num dos mais bonitos locais da costa portuguesa. O restaurante ostenta com orgulho uma estrela Michelin e o chef Vincent Farges aposta numa carta claramente internacional que, apesar disso, traz consigo um borrego de leite assado e streussel de funcho com chalotas confitadas que qualquer tradicionalista mais acérrimo terá dificuldade em criticar.

E agora? Borrego ou Cabrito? Qual é que irá fazer parte da sua mesa nesta páscoa que se aproxima?

 

Good Year Kilometros que cuentan