Leiria, um rasto de letras entre as ruas

5 Maio | 2016 | Goodyear

Conheça com a Goodyear um dos caminhos históricos que os peregrinos percorrem desde tempos imemoriais. Quais são as joias da grande rota do sudoeste? Desvendamo-las para si…

A literatura é um mistério. A atividade da leitura implica uma dissociação da realidade através do papel: por vezes, a nossa mente interpreta o conjunto do livro como um ente plenamente fictício em que, através de um exercício de metonímia, o autor é também inserido. Pensamos em escritores de um modo tão distante –ou fogoso- quanto um personagem. É por isso que, quando batemos na realidade com um objeto, um local ou qualquer outra coisa que nos lembra a existência real de um escritor, costumamos sentir uma veneração quase mística. É assim que se entende a proliferação de rotas direcionadas para a divulgação de vilas, cidades e paisagens através da figura dos escritores que lá moraram ou que por lá passaram.

Já aqui falámos anteriormente da possibilidade de conhecer de perto a estadia de Eça de Queiroz em Leiria através da Rota do Padre Amaro. Todavia, Leiria não foi apenas local de passagem para ele. Outros literatos de toda a parte e qualquer época passaram pela cidade por lazer, por trabalho ou por uma miríade de circunstâncias vitais: alguns nasceram aqui, como Francisco Rodrigues Lobo, o cantor do Lis; Acácio de Paiva, o prolífico escritor e jornalista, ou Afonso Lopes Vieira, o poeta. Outros encontraram aqui inspiração ou abrigo, como Eça de Queiroz ou Miguel Torga, o grande Prémio Camões de 1989.

Leiria castelo

A rota que a câmara municipal oferece para valorizar este património semi-imaterial pode ser vista como uma oportunidade para mergulhar entrelinhas na cidade. Arranca na Sé Catedral, que ficou construída no ano do nascimento de Francisco Rodrigues Lobo e onde o poeta Acácio de Paiva celebrou o seu casamento. Estamos perante um edifício barroco, claramente maneirista, ótimo para imaginarmos a sua sombra na pupila dos poetas que inspirou. Mais para a frente iremos encontrar a Casa dos Hingás, que era antigamente a Administração do Concelho onde Eça de Queiroz trabalhou uns poucos anos no terceiro quartel do século XIX.

No mesmo largo da Sé, no número 7, chegamos à casa natal de Acácio de Paiva, que aqui abriu os olhos em 14 de abril de 1863. A “Pharmacia de Leonardo da Guarda e Paiva” funcionava aqui e inspirou a “Botica do Carlos” da obra de Eça de Queiroz. Estamos perante uma casa de azulejos azuis e brancos desenhados seguindo padrões neoclássicos.

Na Travessa da Tipografia (talvez nunca tinha havido um nome assim tão adequado) morou Eça de Queiroz durante a sua estadia na cidade, hospedado na casa de D. Isabel Jordão. Há quem diga que foi aqui que escreveu o rascunho de O Crime do Padre Amaro, embora a única coisa comprovada seja que escreveu “O Mistério da Estrada de Sintra” entre estas paredes.

Queiroz e o enredo do Padre Amaro

Chegamos agora à Praça de São Martinho, atualmente Praça Rodrigues Lobo. Para lá do nome na honra do poeta, nesta praça situava Eça de Queiroz no enredo do Padre Amaro o local de encontro das pessoas notáveis da cidade. A estátua a Rodrigues Lobo foi inaugurada em 1973, feita pela mão do Mestre Joaquim Correia, quase cem anos depois da mudança de nome de São Martinho ao homónimo do poeta.

É impossível não mencionar nesta passagem literária a Biblioteca Municipal Afonso Lopes Vieira, na antiga Casa dos Charters d’Azevedo. Dentro está a sala dedicada a Afonso Lopes Vieira, onde reconstituíram a sua biblioteca e o seu gabinete de trabalho originalmente situados no Largo da Rosa em Lisboa. A doação foi um desejo verbal do escritor em vida, e realizada a título póstumo graças à sua viúva D. Helena de Aboim Lopes Vieira.

Dedicado à mesma figura, o Jardim Afonso Lopes Vieira, no Parque da Cidade, é um espaço que foi desenhado em 1955 para espalhar o conhecimento entre os miúdos sobre o escritor. Uma pequena Biblioteca com obras infantis do autor foi incluída entre o espaço ajardinado com figuras escultóricas das quais só resta, hoje, as do cão, o burro, o sapo e os bois.

Quando cai a noite, se escutarmos em silêncio, talvez consigamos escutar ainda os riscos da caneta de um jovem literato sobre o papel, ligando como pode os múltiplos enredos de uns personagens que um dia irão trazer-lhe a fama.

Good Year Kilometros que cuentan