Peregrinos na rota dos mosteiros

15 Janeiro | 2021 | Goodyear

Mergulhámos num encontro com a História e a religiosidade portuguesas, numa viagem que nos leva do Mosteiro de Alcobaça até à Batalha.

Entre a Batalha e Alcobaça, a ponta norte da velha região da Estremadura, há um encontro com a religiosidade da História portuguesa. Os dois mosteiros que aqui visitamos são marcos de um passado do país simultaneamente austero e popular. Em ambos, recordam-se importantes momentos da nacionalidade, ao mesmo tempo que ainda vivem fortes as tradições locais, em lendas, hábitos ou receitas gastronómicas. A nossa recomendação para uma escapada esta semana é esse reencontro, uma forma de nos sentirmos peregrinos na rota dos Mosteiros da Batalha e Alcobaça.

Uma casa para a Ordem de Císter

O Mosteiro de Alcobaça, de nome completo Santa Maria de Alcobaça, é a maior igreja de Portugal. Hoje património da UNESCO, foi fundado em 1153 e acompanhou de perto a chegada da Ordem de Císter ao nosso país e todo o processo do nascimento da nação. Depois de conquistar Santarém aos Mouros em 1147, Dom Afonso Henriques ofereceu o espaço à ordem como forma de comemoração dessa vitória. 

O edifício organiza-se em torno da Nave Central, onde as abóbadas do teto e os arcos, nos conduzem na direção da religiosidade. A construção só ficou terminada em 1223 (apesar de intervenções que duraram até ao séc XIX), tendo sido ampliado por posteriores monarcas como Dom Dinis, já no século XIV. A este monarca ficou associado o claustro com o seu nome, também conhecido como Claustro do Silêncio. De linhas austeras, é um espaço que respeita o espírito da ordem de Císter, e onde somos convidados realmente ao silêncio e à contemplação do verde para lá das janelas.

Relatos de paixão e opulência

Bastante menos pacífica é a recordação de Dom Pedro I, aqui sepultado. Dois túmulos, o do rei e da sua amante Inês de Castro, frente a frente, contam-nos uma história de paixão e sangue. A galega, aia da esposa do monarca, assassinada às ordens de Dom Afonso IV aguarda agora o Dia do Juízo Final para voltar a ver o seu amor.

Mais tardia, a Sala dos Reis é uma recordação da opulência que também aqui se viveu. Ornamentada a azulejos do século XVIII, reúne estátuas de reis portugueses. É também nessa altura que o mosteiro vive o seu momento áureo. Já longe do espírito monástico medieval, conta-se que a enorme cozinha do mosteiro tinha grande utilização. Relatam-se aqui ricos festins e o poder do Abade era substancial. Nos coutos de caça em redor do mosteiro não se dizia “aqui d’el-rei”. Em vez disso, pedia-se ajuda com gritos de “aqui do abade”. Era a ele que, além da gestão do espaço, cabia a defesa e segurança da população.

A vitória de Aljubarrota

Património da UNESCO, também é uma peleia o momento decisivo para construção do Mosteiro da Batalha. Dom João I tinha prometido à Virgem que iria construir e dedicar-lhe o espaço se derrotasse o inimigo. Dessa vez, combatia-se com Castela na famosa Batalha de Aljubarrota em 1385. 

A vitória trouxe, três anos depois, o início da construção do Mosteiro, que, como todas as obras deste tipo, iria prolongar-se por muitos anos. Mestres como Afonso Domingues, o primeiro arquiteto que trabalhou no mosteiro, Martim Vasques ou Mateus Fernandes, deixaram aqui a marca do seu talento. O portal principal é da autoria de Huguet, que sucedeu a Domingues em 1402. 

Dom João I chegou a ver a capela construída, mas seria só no reinado de Dom João III que a obra seria dada como concluída. Ainda em vida, o monarca iniciou a construção da Capela do Fundador, onde ficou depois sepultado ao lado D. Filipa de Lencastre e Infante Dom Henrique

Os Descobrimentos e o Renascimento Português

Dom Duarte construiu o panteão real  mas é com o pai de João III, D. Manuel, e a riqueza que nos traziam os Descobrimentos, que fica aqui a marca do Renascimento Português. É do seu reinado a finalização das Capelas Imperfeitas e parte substancial da decoração do edifício. O Portal Manuelino que dá entrada para as capelas é da autoria de Mateus Fernandes, em 1509. Adicionaram-se ainda motivos manuelinos aos arcos góticos originais e obteve-se um resultado harmonioso.

Já depois de Grande Guerra, a Sala do Capítulo passou a ser o último repouso do Soldado Desconhecido. Com a escolta permanente de dois guardas, o túmulo fica debaixo de uma abóbada em estrela, ornamentada com motivos e estatuaria religiosa.

Locais austeros mas grandiosos, o Mosteiro da batalha e o Mosteiro de Alcobaça não são aqueles gigantes de pedra, brutos e imóveis de que nos recordamos da escola primária. São, afinal, cenários de histórias que, deixadas à memória fantasiosa do Homem, tornaram-se relatos épicos de heroísmo e paixão, mas também de traição e decadência. São monumentos religiosos, é verdade, mas dizem-nos muito sobre as mundanas aspirações dos portugueses ao longo da sua História. E viajar é isso mesmo: agarrar no que vemos e sonhar com o que nos contam.

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